A janela das expectativas
Estava sozinha naquele fim de tarde de março. Da janela do quarto, a Gratidão conseguia ver uma dezena de pessoas a olhar o infinito. O olhar era baço e tão distante quanto o horizonte. Pareciam perdidas, paralisadas. De que estariam à espera?
A Gratidão queria dizer-lhe que estava ali, naquela janela, a olhar por eles, queria tocar-lhes, mas não podia. Ela estava pronta, eles não. Apercebeu-se pelas conversas dos mais próximos que estavam à espera de algo, à espera que algo acontecesse. As expectativas eram altas, loiras e muito solicitadas. Falavam várias línguas, vestiam roupas caras e eram extremamente desejadas por homens e mulheres.
Naquela tarde, os habitantes daquele prédio esperavam ansiosamente à janela que chegassem para lhes dar as boas-vindas. As horas foram passando, mas as expectativas continuavam sem dar qualquer sinal de vida. A Gratidão olhava-os com vontade os abraçar, com vontade de os proteger. Queria dizer-lhe que as expectativas eram falsas, insaciáveis, altivas e inúteis. Queria dizer-lhe que podiam prescindir das ilusões criadas pela mente, sedenta de inquietude e de dor. Queria dizer-lhe que eram ricos e que não sabiam, queria mas não podia.
A Gratidão era discreta e delicada. Tocava no coração depois de pedir licença e não entrava sem ser convidada. Os que a conheciam não prescindiam dela. Era alegre, bem-disposta e comedida. Espalhava sorrisos contagiantes. Vivia no presente. Tinha a capacidade de acabar com a amnésia em que viviam mergulhados esses seres que passavam o tempo à janela. A Gratidão permanecia ali, a acompanhar silenciosamente os habitantes daquele prédio, também ela à espera de ser convidada a entrar.
