Aprender a viver sem Certeza

30 de Novembro, 2020

Despedi-me da Certeza, mas não queria deixá-la ir. Chamem-me egoísta, se preferirem. A verdade é que não queria dizer-lhe adeus. Era minha a minha melhor amiga. Juntas construímos castelos de areia, calcorreamos ruas e calçadas. Choramos de tanto rir, ao ponto de perdermos o fôlego. E naquele momento, limitava-me a observar, a vê-la cada vez mais longe. Era difícil descrever o misto de melancolia e de solidão que me consumiam. Era como se estivesse assistir à tragédia de Macbeth de William Shakespeare. A morte estava iminente e nada podia fazer.

Ia perder aquela que nunca me tinha abandonado. Sentia-me órfã, nua naquela noite de outono. Tive vontade de gritar e de pedir à Certeza que ficasse. Tive vontade de a agarrar ou de me ajoelhar na esperança de a fazer recuar. No entanto, sabia que nada a ia demover.

Ao contrário de mim, ela caminhava segura e cada passo que dava criava um fosso, ainda maior, entre o que eu queria e não podia ter. Era frustrante e inevitável. Segura de si mesma, a Certeza subiu os degraus daquele comboio e entrou na primeira carruagem sem mesmo dizer adeus. Queria tanto ser assim, desprendida! Mas só podia desejar, nada mais.

A Certeza depressa desapareceu no interior daquela composição. Eu fiquei ali, estática e apavorada. Pedi que um lapso de lucidez a trouxesse à razão, mas sem sucesso. O comboio partiu à hora marcada. Não a voltei a ver e, desde então, vivo das memórias do passado e de um futuro que desejei, mas que nunca aconteceu. O vazio continua presente. Perder a nossa melhor amiga é cruel e devia ser proibido. Infelizmente, os homens esqueceram-se de a incluir na nossa legislação. Por isso, tive de aprender a viver de incertezas e a construir os meus castelos consciente de que são efémeros, tal como cada um de nós.

 

 

 

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